sábado, 1 de abril de 2017

ABRIL

Entre paredes amarelas de um reboco descascado, encontro-me deitada em meio a minha bagunça jogada na cama. Tem um sutiã amarelo perto do meu rosto, uma calça preta embolada perto dos pés, com o travesseiro sob o papelão da encomenda do notebook que eu não joguei fora ainda. As roupas ainda estão no varal e está chovendo. A janela está aberta, aos poucos as gotas da chuva torrencial caem sobre meu rosto, sobre meu corpo, as paredes ficam ainda mais úmidas. Você só consegue ficar estática. Não consegue sentir nada, nada existe. Lá na cozinha sua mãe grita "Tira as roupas do varal", um grito que mais parece um eco distante. Tudo está longe. 

As gotas tornam-se salgadas. Eu me viro pra olhar no espelho sujo, com marcas de mãos borradas. Somente enxergo um corpo estático, jogado na própria bagunça existencial. Não sinto vontade de nada, não me mexo. Lembro-me da morte do primeiro cachorro da família, Beethoven, aquela tarde em que uma menina de 4 anos ia na casa da sua tia e não percebeu que o cachorrinho a seguia, eu vi um cachorro enorme rasgar a barriga do meu primeiro cachorro. Todos disseram ser minha culpa. 

Desde então me culpo por tudo. Você coloca o pé para eu tropeçar, eu peço-o desculpas por ter o instinto de faze-lo. Você me trai, eu peço desculpas por ter feito algo que o tenha levado a fazer isso. Me culpo pelo mundo te machucar. Eu me culpo pela miséria humana, por ser humana. Me culpo pela morte por eu continuar viva. Viva? Apenas existindo, quase que roubando oxigênio. Quantos bem mais fariam melhor uso da vida do que eu?

Imagino sorrisos, sons, danças, música, beijos, sexo, amor, gargalhadas, caminhadas, respirações pesadas, assovios, conversas, movimento, o vento, giros e giros, o toque, o orgasmo, as cores, o cheiro, o mar, o gosto, os erros, os acertos, o nascimento, os primeiros passos, o nascer do sol, o pôr do sol, as rugas, a sabedoria, a vida. Quantos pensamentos durariam em uma chuva?

As últimas gotas caem lá fora, é tempo de voltar. As vozes, o frio, a escuridão do quarto me veem com força, você está só, é hora de levantar e existir novamente.