sábado, 9 de junho de 2018

Clube Bom Jardim e o Forrozão Brilhante

Uma das minhas melhores lembranças de vida são do interior do meu pai, Bom Jardim - PI, um pequeno povoado depois da cidade de Nazária, situado nas bordas da PI 135. É engraçado como eu lembro até do formato das pedras que ficam na beirada do pincho. Durante muito tempo a Semana Santa, Natal e o ano novo foi comemorado por ali, desde quando eu era um bebê. As memórias são tão vagas de quando eu tinha menos que quatro anos que nem mesmo lembro do dia em que o vocalista da banda "Forrozão Brilhante" pegou em minha cabeça careca. Parece engraçado, né? Mas meu pai sempre me contou que o grande cantor me pegou no colo quando eu era uma bebê e amaciou meu coro nem um pouco cabeludo. Eu tinha muito raiva de ouvir essa história, não sei por quê.

A situação só foi possível graças ao empreendimento do meu Tio Luizim, ele tinha um bar na varanda de sua casa e um clube de festas. Durante alguns anos, grandes e pequenas bandas da região e arredores passaram pelo palco da casa de show. Meu pai sempre estava nas festas, minha mãe, quando viajava pra lá, colocava à mim e aos meus irmãos - na época só havia Michelly, minha irmã mais velha e Vitor Manoel, o irmão do meio - e partia para dentro do forró. Até a forma de dançar forró é singular no Bom Jardim, é difícil explicar em palavras, mas vocês podem visualizar clicando aqui. Melhor que isso só minha prima Eryka dançando. 

Uma dessas grandes bandas do Piauí era o Forrozão Brilhante. Todas as vezes em que o Tio Luizim contratava para tocar, o salão lotava de pessoas. O nepotismo ainda existe em todas as esferas públicas, porque não iria acontecer nas festas do Clube Bom Jardim?! Simplesmente ninguém que era da família pagava. Todos tinham passe livre na bilheteria. Por essa mesma libertinagem familiar que o empreendimento não durou muito, como tudo que é feito assim na vida. Como o local era do meu tio, seus filhos, Ari e Almeida cuidavam do bar e da bilheteria. Não era incomum deixarem passar amigos, colegas e conhecidos nas festas. E o bar? Bem, como dois alcoólatras assumidos, eles tomavam as próprias bebidas que estavam ali para serem vendidas. Como se não bastasse os dois, os nossos primos Edinaldo, Edilson e a prima Edina também bebiam junto. 

Na época eu tinha seis anos de idade, Vitor tinha dois anos e Michelly tinha 9 anos. Como minha irmã era mais velha, ela quase sempre conseguia acompanhar os adultos. Já eu e Vitor éramos colocados para dormir todas as vezes. Com consciência do esquema, e como uma filha teimosa e birrenta, demora o máximo possível para dormir. Corria, esperneava, chorava e chamava pela minha mãe a cada vez que ela notava que eu estava com sono e tentava sair para a festa. Hoje eu admito o quanto isso é chato e insuportável. Nunca fui uma criança fácil. 

Para completar, meu primo Junior, também me influenciava para ir as festas. Apenas um ano mais velho do que eu, ele sabia entradas secretas para o clube e sempre dava corda e ideias para travessuras. Em um sábado, creio que era de Aleluia na Semana Santa, minha mãe se arrumou e deitou comigo e Vitor na cama no quarto em que ficávamos quando íamos passar os dias na casa de meu tio. Durante o dia já havia combinado com Junior que iria fingir que estava dormindo e encontrava com ele no quintal da casa. Mamãe mantinha o esquema, ficaria ali até que dormíssemos.  Vitor dormiu e eu, bem, eu fingi que dormi. Mamãe saiu do quarto e foi para a festa. Ela usava camisetas brilhosas, calças jeans e um cabelo enorme ondulado até a cintura, era impossível não saber que ela iria para a festa e não dormir ali do meu lado.

Quando mamãe saiu do quarto, eu me levantei e corri até o quintal, Junior ficou sentado na cozinha me esperando, a mãe dele Cristiane dormia sempre antes dele. Nesta época, sempre tive medo de me aproximar de meninos, pois achava um nojo qualquer contato físico. Desde sempre a sexualidade de meu primo Junior nunca foi um segredo para mim, eu confiava nele. Fomos até o grande quintal de terra batida, com árvores de todos os tipos de frutas, me recordo de três pés de acerola, manga e seriguela. Havia uma cerca de madeira que separava o quintal do salão de festas. Junior conhecia um buraco que ele mesmo havia feito que dava acesso ao bar da festa. Eu e ele entramos. Eu lembro de já querer chorar na passagem, pois meu cabelo (cacheado) havia ficado preso na cerca. 

Quando entramos, havia tantas pessoas, tantas pessoas. Eu comecei a chorar e pedir pela minha mãe. Junior ficou atordoado com a situação e me levou até o bar, onde meus primos estavam teoricamente vendendo bebidas. Eles me viram chorando, brigaram com Junior por ter me trazido e me levaram até minha mãe. Eu estraguei a noite, levei umas palmadas no bumbum e fui dormir chorando no quarto. Ficou a lição? Bem, não. Ainda tentei entrar na festa várias vezes e chorei muitas outras para que mamãe não fosse se divertir. 

O Clube Bom Jardim faliu dois anos depois. Meu irmão Pedro nasceu, situações desagradáveis ocorreram. Voltamos lá anos depois, agora com minhas primas, e eu já era uma pré adolescente que tinha outras ambições: Ir para a festa do Bidozo no sábado de aleluia e conhecer o vocalista da Banda Brilhante, anos mais velho, que pegou na minha cabeça careca quando bebê.