domingo, 13 de agosto de 2017

Um feliz dia!

Todos os dias me convenço ainda mais que nós vivemos em funções de instantes. Ontem o mundo parecia girar em torno de problemas, o hoje já significava tanto, o dia foi todo como um agradecimento por ainda respirar para viver aqueles momentos. A data é 13 de agosto e é o segundo domingo de agosto, dia dos pais. Desde os 6 anos eu fui perdendo o respeito pelo meu pai, a primeira vez foi quando o vi flertando com uma outra mulher que não era minha mãe em um bar. Na época ele costumava me levar para suas saídas com os amigos, todos me achavam bonitinha, fofa, principalmente as mulheres. Eu lembro de estar sentada do lado do meu pai, tagarelando com todos, até notar os olhares entre meu pai e a tal mulher, as mãos iam se juntando na mesa. Eu lembro de achar aquilo estranho, malicioso, o engraçado é o fato deu perceber aquilo tudo tão nova, talvez fosse da minha natureza achar grotesco a traição e enxerga-la nos outros de longe ou apenas a força dos meus ciúmes crônicos. 

Em um bar no beco ao lado dos trilhos do trem, perto da ladeira do uruguai, eu vi meu pai beijar outra mulher, uma mulher que não era minha mãe e tinha me deixado sozinha na cadeira com meu vestido laranja de flores, quando percebi o seu sumiço fui atrás. Queria poder não ter o instinto curioso naquele dia, queria poder não ter saído com meu pai naquele dia. Voltei pra casa, não me lembro do que ocorreu depois, mas eu sei que a menina que tagarelava tanto, se calou. Como tantas outras vezes me calei em outras situações da minha vida, como ainda continuo calando, um pouco menos, talvez. 

De lá pra cá, fui crescendo, ainda o achava o máximo, apesar daquilo. Das brincadeiras e perguntas ridículas, tendenciosas que tios e tias faziam desde sempre era "você gosta mais do seu pai ou sua mãe?". De todos os questionamentos com falsa inocência, os que influenciam e escancaram preferências são os piores. Como uma "família tradicional brasileira patriarcal", meu pai era o que trabalhava e minha mãe cuidava da casa e dos filhos. Eu tinha uns 7/8 anos, meus irmãos tinham pouca idade, bebês, minha irmã, a mais velha, uma menina em pré adolescência. Eu passava o dia todo com minha mãe, era ela quem fazia minha comida, lavava minhas roupas, me buscava na escola, brigava, batia, aconselhava, não só a mim mas a todos. Quando não se tem maturidade o bastante, achamos que tudo que é dito contra a nossa vontade é chato e para nosso mal. Então, quando meu tio Valcir perguntou a mim quem eu preferia eu disse: Meu pai!

De algumas coisas que me culpo é por ter de certa forma destroçado o coração de minha mãe naquele momento. 

Vieram outros dias dos pais, sempre fazia-se almoços para eles. O meu sempre foi calado, na dele. Na sua rotina diária de "provedor da casa" saia cedo de casa, chegava tarde, quando não ficava em festas, jogatinas entre outras coisas na rua. Sempre que estava no lar, sentava em frente a TV e assistia qualquer coisa. Esse hábito ainda perdura até hoje. Mas acho que todo mundo ficou assim, quem hoje em dia não se enfia em seus mudos virtuais, televisivos depois de um dia cansativo? Conversar com a família? Isso tudo é tão antiquado. Aprendi direitinho com você, papai. Acontece que todas essas ausências, essa falta cada vez mais decorrente me fez, nos fez, falo agora com a certeza de que meus irmãos concordam comigo, mais independentes. Nunca contamos com ele para aquilo que era "mais do que o necessário". 

Os anos se passaram e meu pai foi perdendo as coisas. Ele sempre buscou dar o melhor estruturalmente falando, educação, saúde, lazer para a família. Mas acontece que não seria fácil manter duas no mesmo padrão. Hoje eu sei. O colégio particular da minha irmã não foi pago para a mim, a sucessora, o notebook comprado pra ela, não foi comprado pra mim. Não foi por merecimento, só por falta de dinheiro quando chegou o "meu momento" de precisar. Me orgulho muito de pensar que essas pequenas coisas foram conquistadas com meu próprio dinheiro, mérito. Eu lembro dele bêbado dizer que eu não iria passar em nada no interior do Campo Largo. Meus pais sempre tiveram essa mania de nos diminuir, nunca nos elogiar. Minha mãe diz que é uma forma de sempre procurarmos crescer. Discordo. Tudo que de certa forma consegui hoje, calou a boca de muitas pessoas, mas nunca pensei que seria a dos meus pais, principalmente a do meu pai. 

O motivo da falta de dinheiro apareceu há pouco tempo, com uma mensagem no whatsapp, saber que ele tinha outra família e que eu ganharia uma irmã foi um baque, apesar deu ter certeza das traições; acho que nunca pensamos que possa ser realmente verdade apesar de todo o universo dizer que sim. Eu o odiei pela humilhação à minha mãe. 10 anos com outra mulher é algo que nem em minhas imaginações mais negativas em relação a isso eu poderia ter pensado. Passou-se mais de 1 ano, minha mãe o perdoou, as coisas foram para debaixo do tapete. Mas eu não esqueci e nunca esquecerei. O fato que mais me entristece disso tudo, é que meu pai teve/tem, de certa forma, a chance de ser um pai melhor para a Rebeca (nome da minha irmãzinha), mas não faz nada para ser. Talvez daqui um tempo eu a conheça e ela vai poder estar escrevendo um texto parecido sobre ele, ou nem vai lembrar dele o que é mais triste ainda. De fato tudo isso é triste.

Parece que só guardo mágoas, mas não. Eu o amo, ele é meu pai, mas não gosto dele. Todos deveriam entender isso, é menos culpabilizador. 

Mas, hoje foi um dia feliz, porque eu tenho mulheres, pessoas que realmente foram, são pais na minha vida. E pequenas coisas como ver o jogo do Flamengo na TV me aproxima do meu pai, mesmo com tudo que tenho consciência. Alguns dias, seja com a família, amigos, em datas comemorativas ou não, são momentos que valem a pena estar viva. Lutamos, sobrevivemos a cada minuto, hora por momentos de risos, carne assada e cerveja.